Multa perdoada sem levantar um dedo? Motoristas usam IA para driblar o sistema

Motoristas usam IA para concluir cursos de trânsito online, levantando questões sobre ética e eficácia das penalidades educacionais.

O avanço da inteligência artificial tem provocado transformações em praticamente todas as áreas da sociedade, da medicina à educação, da indústria ao entretenimento.

No entanto, um uso recente e controverso dessa tecnologia nos Estados Unidos, mais especificamente na Califórnia, tem levantado sérias discussões sobre seus limites éticos e legais.

Trata-se de um novo método adotado por motoristas para reduzir multas de trânsito e limpar pontos da carteira de forma completamente automatizada e sem nenhum envolvimento humano.

IA para cursos de reeducação no trânsito

Nos EUA, até a multa virou tarefa da IA, e ninguém está sabendo lidar com isso (Foto: iStock)

Motoristas que deveriam cumprir cursos obrigatórios de reeducação no trânsito estão utilizando ferramentas de IA generativa para burlar o sistema.

Em vez de assistir às aulas online e responder às questões, como prevê a legislação estadual, os infratores estão delegando tudo a assistentes virtuais baseados em IA, que concluem as etapas do curso com perfeição e em tempo recorde.

A prática veio à tona após a divulgação de um vídeo nas redes sociais pelo executivo Tony Wu, da empresa de tecnologia Perplexity.

O conteúdo mostra o navegador Comet, criado pela própria companhia, completando um curso licenciado pelo Departamento de Trânsito da Califórnia (DMV).

A ferramenta navega pelas aulas, responde corretamente às perguntas e finaliza o curso com nota máxima, tudo de forma totalmente automatizada.

Curso perdeu o sentido?

O curso em questão, oferecido pela plataforma Traffic School 4 Busy People, é oficialmente credenciado pelo DMV, o que torna o uso da IA ainda mais preocupante: trata-se de um sistema legalmente reconhecido, agora explorado de forma tecnicamente lícita, porém eticamente duvidosa.

A repercussão gerou questionamentos sérios. Procurado pela imprensa, o Departamento de Trânsito da Califórnia não deu resposta oficial até o momento.

O Conselho Judicial do Estado redirecionou a responsabilidade ao DMV, enquanto a escola envolvida e os advogados especializados preferiram não se manifestar publicamente.

Essa ausência de posicionamento oficial amplia a gravidade do caso. Afinal, o objetivo desses cursos não é apenas formal; trata-se de um instrumento educativo e corretivo que busca melhorar a conduta de motoristas infratores.

Com o uso da automação por inteligência artificial, a penalidade deixa de ter função pedagógica e se transforma em uma etapa burocrática facilmente manipulável.

Além disso, o episódio escancara uma lacuna na regulação do uso da inteligência artificial em ambientes sensíveis e juridicamente regulados.

A facilidade com que a tecnologia foi utilizada para substituir um processo que deveria ser pessoal e educativo levanta o seguinte questionamento: se já é possível automatizar esse tipo de obrigação legal, até onde essa prática pode avançar?

A discussão não para por aí. Especialistas já alertam para casos semelhantes envolvendo serviços de liberdade condicional e cursos obrigatórios por consumo de substâncias. A linha que separa o uso legítimo da IA e a manipulação de obrigações legais está cada vez mais turva e preocupante.

IA inimiga?

Outros episódios recentes demonstram o impacto crescente (e nem sempre positivo) da inteligência artificial na vida real. Em Nova York, câmeras com IA aplicaram multas indevidas a centenas de motoristas.

Em locadoras de veículos, algoritmos automatizados acusaram clientes por danos inexistentes. Agora, com a automatização de cursos de trânsito, o debate sobre o controle e os limites dessa tecnologia volta ao centro das atenções.

Se essa tendência continuar sem fiscalização e regulamentação adequadas, o que resta da educação no trânsito pode ser reduzido a um simples processo automático, sem reflexão, sem responsabilidade e, acima de tudo, sem aprendizado real.

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